quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Primeiro mês

"Os conceitos ajudam na nossa relação com o conhecido, mas podem atrapalhar, cercear e confundir quando nos deparamos com o que não conhecemos, fora ou dentro de nós. Nesse aspecto, a cautela é bem vinda no âmbito do instante da criação, pois é grande o risco do conceito virar preconceito e da auto-crítica sufocar - ao invés de facilitar - o impulso criativo. Se isso acontecer, que alternativa restará à criação, senão fluir por caminhos já trilhados e se consumar em algo já conhecido?".

"Cada um é como um país estranho e distante. Toda intimidade tende a ser exótica aos olhos daquele que ousa ver o outro bem de perto. Isso vale para seres humanos e para personagens".

"O que guardamos em nossa mente, no que chamam de inconsciente, também é como um país estranho e distante. Curiosa essa possibilidade de descobrir exotismo em nós mesmos".

"Os escritores são deuses dos mundos que eles criam. Que tipo de deus você vai ser quando escrever?"

"Escreva primeiro, analise depois. Se possível, alguns dias depois".

"Como tornar o sutil 'grande' o bastante para ser visto num texto teatral, num palco? E, como fazer para que esse superdimensionamento revele o sutil sem trair-lhe a sutileza? Qual a medida dessas coisas? Como deixar claro um pensamento sem precisar descrevê-lo? O que a ação pode falar por si sem que eu precise explicar com palavras? Está na hora de dar maior atenção a esses mistérios..."

(Textos de Luiz Felipe Botelho) (Fotos de Kyara Muniz e Luiz Felipe Botelho)

























4 comentários:

  1. - O medo de ousar é mesmo delicado. A gente procura se esforçar naquilo de não fazer mais do mesmo, mas às vezes na criação agimos que nem na época do colégio, fazendo igual para não soar tão diferente.

    - Tem um pedaço de um poema do Pessoa que adoro, que diz que "cada um é muita gente". Podemos não nos achar interessantes - ou mesmo quem está perto, mas é só parar para olhar, olhar realmente, e perceber as diferenças, boas ou mesmo ruins, que fazem de nós pessoas únicas.

    - Talvez até por ser tão exótico o que guardamos dentro de nós mesmos seja tão difícil externar, como foi colocado aí no primeiro ponto. Soar tão diferente. A auto-crítica que o autor impõe sufoca, pois quase sempre ela parece muito cedo durante o processo.

    - É mesmo doido se pensar e se ver como criador de todo um mundo. É o que eu sempre ouço um escritor amigo falar, da diferença que é escrever para cinema, e escrever para um livro. Começa com restrições orçamentárias pois sai muito mais barato em um livro criar 2500 pessoas, mas termina em infinitas possibilidades, pois o papel a tudo aceita. Muitas vezes eu mesma perco o sono quando as personagens vem dormir junto comigo, sentadas em volta, reinvindicando atenção, lançando suas preces para definirem seu futuro, consertarem seu presente. Como qualquer um de nós.

    - Escrever de forma livre, se possível. Quantas vezes, depois de deixar o texto descansar, a gente volta e se depara com algo que escreveu e de que nem lembrava, mas que será ótimo ver desenvolvido? Eu acredito em talento nato, acredito em talento desenvolvido por dedicação, acredito também em inspiração. Divina, mágica, não sei. As coisas se alinham por um instante e conseguimos alcançar a sabedoria universal.

    - É mesmo um mistério, meu querido. Eu procuro pensar em imagens quando escrevo um roteiro, mas confesso que fico muito confusa quando estou proseando e preciso descrever sensações, sentimentos, atitudes mínimas que não serão vistas, imaginadas somente.

    Beijo grande.

    ResponderExcluir
  2. Que comentários preciosos, Alê! Gosto muito dessa possibilidade da gente trocar figurinhas por aqui, abrir o coração e falar de como vê a própria prática, como generosamente estás fazendo.

    Para quem não conhece, Alê é uma escritora maravilhosa, cujas obras e personagens são influenciadas pelo cinema e pela teatralidade que permeia a vida. Sugiro que visitem o blog "Do fim até o começo" (http://dofim.blogspot.com/) e deleitem-se com a prosa vívida e instigante de Aleksandra Pereira.

    Beijo pra ti, Alê!!!

    ResponderExcluir
  3. Ah, meu amigo, obrigada mais uma vez pelas linda e carinhosas palavras! Guardo com enorme carinho a orelha que me escreveste. Sempre que me abalo um pouco, que perco a fé mesmo, em mim, no que posso fazer na qualidade dos meus escritos, eu te releio. Saber que ainda de forma inconsciente a gente pode se dar tanto em um texto e tocar outras pessoas, está aí a magia do que fazemos. Só tenho a te agradecer.

    Um beijo enorme.

    ResponderExcluir
  4. Mereces cada uma dessas palavras de reconhecimento, Alê. E é verdade, a gente não tem noção do quanto podemos proporcionar ao mundo através do que criamos, seja escrevendo, pintando, falando ou mesmo "sendo".

    Creio que o poder criativo do ato de existir (e o de pensar também) não costuma ser valorizado como tal, porque não se costuma valorizar o que parece intangível. Engraçado isso, não é? Situações como "existir" e "estar presente" não têm nada a ver com "ser visto". Posso ser visto e as pessoas não notarem que eu existo. Posso estar num lugar sem estar presente naquele lugar. Para ver alguém existindo, preciso "ver" além do corpo que esse alguém usa. Para estar presente num lugar, preciso tomar consciência de que existo naquele lugar.

    Isso tudo para relembrar que, como já dissemos nestes blogs da vida, a distância nada é - e a gente não precisa de nada, a não ser a vontade, para oferecer para o outro o melhor da gente. E é esse melhor o ponto de partida para toda as artes que a gente quiser fazer neste mundo.

    beijão!

    ResponderExcluir