terça-feira, 30 de junho de 2009

Texto 12 - "Tudo começa e termina com um suspiro"

Uma curiosidade sobre esta cena: originalmente criada por Márcio Andrade para um único narrador, seu texto foi desdobrado pela coordenação dos grupos para acolher mais um ator em sua apresentação na noite de 15/06/09 na FUNDAJ (veja abaixo as duas versões do texto). Como o segundo ator previsto não pôde vir para a apresentação, Kléber Lourenço acabou interpretando o texto original. Com uma abordagem sensível e cheia de nuances, Lourenço explorou as possibilidades de criação de imagens proporcionadas pelo caráter épico do texto, valorizando - na fonação, nas pausas e nos gestos – os sucessivos climas e intenções propostos pelo autor. Na história, retornam personagens como a mulher de meia idade, o filho dela e a menina.

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Versão original para um ator

NARRADOR - Tudo começou e terminou com um suspiro. Sabem aquela ali do lado? E aquele ali? Bom, não há mais nada a fazer depois que tudo aquilo tinha vindo á tona. Dona Gê tinha duas décadas deitada na mesma cama e aquela menina vinha quase toda tarde. Quase. Binho não queria deixar “Essa menina vai acabar com o que resta da senhora, mãe”. Mas como se pode acabar com alguém já tão perto do fim? A parafina já ta quase toda no pires e o pavio cada vez mais curto. A vela de dona Gê já vai apagar. De início, ela nem queria saber da menina. “A gente precisa mesmo conviver com outros mesmo velho e doente? De menina eu já to cansada”. Mas Bia era danada. Não arredava o pé daquela porta por nada. Só saia quando tava escuro. Era legal trocar os suspiros pelos selos de dona Gê. E os suspiros vinham recheados de histórias, lendas, tudo o que ela quisesse imaginar. E que dona Gê pudesse contar. Como esquecer do Cavaleiro Cacheado? E da poesia de Inês na sacada? Aquela menina, dona Gê, sabia lembrar das coisas. As lágrimas desciam toda vez que ela dizia: FIM. Descobriu alguém para lhe ouvir, para lhe ver. Pra alguém assim, tão perto do seu próprio fim, ela derramou poucas lágrimas. Mas por que tinha outros suspiros a dar e receber.

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Versão adaptada para dois atores

NARRADOR 1 - Tudo começou e terminou com um suspiro. Sabem aquela ali do lado? E aquele ali? Bom, não há mais nada a fazer depois que tudo aquilo tinha vindo á tona. Dona Gê tinha duas décadas deitada na mesma cama e aquela menina vinha quase toda tarde. Quase. Binho não queria deixar.
NARRADOR 2 - “Essa menina vai acabar com o que resta da senhora, mãe”.
NARRADOR 1 - Mas como se pode acabar com alguém já tão perto do fim?
NARRADOR 2 - A parafina já ta quase toda no pires e o pavio cada vez mais curto. A vela de dona Gê já vai apagar.
NARRADOR 1 - De início, ela nem queria saber da menina.
NARRADOR 2 - “A gente precisa mesmo conviver com outros mesmo velho e doente? De menina eu já to cansada”.
NARRADOR 1 - Mas Bia era danada. Não arredava o pé daquela porta por nada. Só saia quando tava escuro. Era legal trocar os suspiros pelos selos de dona Gê. E os suspiros vinham recheados de histórias, lendas, tudo o que ela quisesse imaginar. E que dona Gê pudesse contar.
NARRADOR 2 - Como esquecer do Cavaleiro Cacheado? E da poesia de Inês na sacada?
NARRADOR 1 - Aquela menina, dona Gê, sabia lembrar das coisas.
NARRADOR 2 - As lágrimas desciam toda vez que ela dizia: FIM. Descobriu alguém para lhe ouvir, para lhe ver. Pra alguém assim, tão perto do seu próprio fim, ela derramou poucas lágrimas. Mas por que tinha outros suspiros a dar e receber.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Texto 11 - "Quanto custa o doce?"

Esta cena foi escrita em 3 de junho de 2009 por Catarina Brandão e retoma os personagens da doceira de meia-idade e da menina que adora suspiros. Nas apresentações de 15/06/09 o texto foi interpretado pelas atrizes Ana Carolina (Mulher) e Ana Dulce Pacheco (Menina). A versão da autora para a personagem da mulher inclui uma certa surdez que é explorada no trecho inicial da cena. Pelo tempo-ritmo peculiar que esse dado exige nas ações e reações das personagens e pelo caráter de improviso do exercício, representar a deficiência auditiva da mulher foi o maior desafio das atrizes.

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(MULHER SENTADA NUM BANCO DE PRAÇA, OLHA A PAISAGEM ENQUANTO VERIFICA A CAIXA DE DOCES QUE ESTÁ EM SUAS MÃOS. A MENINA SE APROXIMA E FALA COM A MULHER SEM PERCEBER QUE ELA NÃO OUVE BEM)

MENINA - Senhora, quanto é o doce?
MULHER - Eu tenho que cuidar. Já descansei bastante essas pernas entrevadas.
MENINA - A senhora tão idosa, tem que sair pra vender doces... A senhora não tem filhos?
MULHER - Vida de cão. Também, aquele inútil não faz é nada, só comendo do meu pobre dinheirinho.
MENINA - Senhora, quanto é o doce? (TIRA O DINHEIRO DO BOLSO) Me dê dois.

(A MENINA ESTENDE A MÃO E SÓ ENTÃO A MULHER A VÊ)

MULHER - Ai que susto menina! O que é que você quer? Há quanto tempo você está aí?
MENINA - Quero doces, senhora, me dê dois.
MULHER - (PEGANDO A CAIXA COM DIFICULDADE) Tome.
MENINA - Quanto é? (COMEÇA A COMER O DOCE)
MULHER - Hã, o que?
MENINA - Quanto é o doce?
MULHER - Quer outro doce?
MENINA - Quero sim.

(A MULHER PEGA OUTRO DOCE)

MULHER - Ta gostoso, criança?
MENINA - Hun, hum, delícia!

domingo, 28 de junho de 2009

Texto 10 - "Sobre separar siamesas"

Maria Pessoa é a autora da cena final do ciclo enfocando as personagens das siamesas, dentro das apresentações de 15/06/09. O texto dramático foi interpretado por um homem e uma mulher: Eduardo Japiassu (Ana) e Regina Medeiros (Maria). Os dois atores improvisaram o palco sobre um birô que também fez as vezes de cama de hospital. O tom naturalista impresso às falas se adequou à quebra do naturalismo no arremedo cenográfico: a despeito da sutil comicidade presente na apresentação, manteve-se o impacto e o desconforto latente no desfecho da cena.

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(NO PALCO, APENAS UMA CAMA DE HOSPITAL COMPÕE O ASSÉPTICO CENÁRIO. SENTADAS LADO A LADO, MARIA E ANA, DUAS IRMÃS SIAMESAS COLADAS PELO VENTRE, SE PREPARAM PARA UMA CIRURGIA QUE TENTARÁ SEPARÁ-LAS)

MARIA - Eu to com medo.
ANA - Não seja tola.
MARIA - E se não der certo?
ANA - É melhor tentar do que viver assim, você não acha?
MARIA - Sei não. Já me acostumei a isso tudo, a você. Depois, eu não quero morrer. Eu não sei o que tem depois, para onde a gente vai.
ANA - Nem eu, deixe de ser medrosa. Pense no que será a nossa vida depois. Vamos ser normais. Pessoas separadas. Vamos poder namorar.
MARIA - Eu não me importo de ficar colada a você pra sempre.
ANA - Você tem é medo de ser você mesma e encarar o mundo. Deixe de ser boba. Amanhã, nessa mesma hora, estaremos aqui comemorando o sucesso da cirurgia.
MARIA - Você tem razão.


(ENTRAM ENFERMEIROS E LEVAM AS DUAS. ESCURO. QUANDO ACENDE A LUZ NO PALCO, AGORA DUAS CAMAS. UMA DELAS VAZIA. MARIA TEM UM SORO PRESO AO SEU BRAÇO. MARIA ACORDA E OLHA PARA O LADO)

MARIA - Ana, você está aí? Não morremos, veja.
(SILÊNCIO, CAI O PANO)

sábado, 27 de junho de 2009

Texto 09 - "Socos no coração"

Criada por Ailton Brito em 3 de junho de 2009, a segunda cena das siamesas (ver post anterior) apresentada na noite de 15/06/09 foi interpretada por dois homens, os atores Arthur Canavarro e George Cabral. Numa escuridão quase total, rompida pela luz sem vida de uma lanterna, a silhueta difusa dos atores sugeria o campo de batalha inconsciente onde nunca cessava o embate das gêmeas. As vozes fortes e monocórdicas, como que habituadas à insistência diante do aparentemente irremediável, soavam como vindas das memórias de um sono eterno onde os limites entre sonho e pesadelo pareciam não existir.

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(GRANDE PÊNDULO BALANÇANDO. É O PÊNDULO DA VIDA. EM UM EXTREMO, UMA IRMÃ. NO OUTRO, A OUTRA. ENTRE ELAS, UM ABISMO DE TEMPO QUE AS CONSOME... A PRIMEIRA OLHA PARA A FRENTE, A SEGUNDA, DE CABEÇA BAIXA)


SIAMESA 1 - A minha cabeça está erguida, os girassóis se montam. É uma desnitidez nitidez nitidez lançada. Eu sou uma gota sem fonte nem esparramar, e meu meio me anima, mas me “mordaliza”... Outra sombra se aproxima, desta vez cresce na minha barriga. (PAUSA) Amor?
SIAMESA 2 - (ERGUENDO A CABEÇA. CANTANDO DOCE) Pois não?
SIAMESA 1 - (FATÍDICA) Uma de nós morrerá.
SIAMESA 2 - (AINDA DOCE, PARECENDO MAIS ENTORPECIDA) Qual não será surpresa a morte dessa segunda. Será?!
SIAMESA 1 - É triste. Mas inevitável e aborrecível.
SIAMESA 2 - É.
SIAMESA 1 - E é.
(FALANDO RÁPIDO, MECANICAMENTE TALVEZ OU RINDO, JAMAIS FURIOSAS)
SIAMESA 1 - Te odeio.
SIAMESA 2 - Me odeio também, ahahah.
SIAMESA 1 - Um soco no meu coração e você não é mais.
SIAMESA 2 - Dê-lhe-me. Venha. Vai. Dê-lhe-me.
(REPETEM EXAUSTIVAMENTE ESSE TRECHO. O PÊNDULO PÁRA E ELAS TAMBÉM, SIMULTANEAMENTE.)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Texro 08 - "Longe do Paraíso"

As siamesas foram personagens criadas sob polêmica, pois implicitavam em duas personalidades num exercício que pedia apenas uma. Porém, as possibilidades sugeridas por essa criação justificaram o ajuste na atividade para comportar a presença de ambas. O resultado foi que essas personagens acabaram marcando definitivamente sua presença no imaginário dos grupos de estudos, gerando histórias inusitadas e performances desafiadoras. A seguir reproduzimos o texto épico de Fabiana Coelho, escrito em 6 de maio de 2009, e que abriu o ciclo de cenas com essas personagens nas apresentaçõs de 15/06/09. Em seu improviso, a atriz Cristina Siqueira representou o narrador e as duas irmãs. À luz das velas, Cristina deu ênfase na marca épica do texto postando-se como uma contadora de histórias. Evocou, assim, o encontro na fogueira em torno da qual desde muito milênios - e hoje, aparentemente, cada vez menos - as pessoas podiam se reunir para ouvir histórias e partilhar emoções.

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NARRADOR - Era um tempo distante de hoje, numa vila escondida do mundo, nasceu, um dia, um estranho ser. Coladas pela bacia e pelas pernas, duas crianças brotaram de um único ventre. Siamesas, diriam os cientistas de nosso tempo. Mas ali, onde céu e terra são amigos dos homens e os homens sabem apenas o que lhes permite Deus e a lavoura... ali, aquelas pequenas crianças eram castigo dos deuses, circo de horrores, sujeitas ao pior dos destinos: o isolamento, a solidão.

(O MESMO ATOR QUE FAZ O NARRADOR INTERPRETA AS DUAS SIAMESAS)

ISABEL - Se um dia eu pudesse sair de casa, comeria maçãs.
ELISA - Maçãs? Por que?
ISABEL - Olha (MOSTRA UM LIVRO). Olha este desenho! Elas são tão redondas, tão vermelhas... é como comer um pedaço do paraíso.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Texto 07 - "O mundo não está para brincadeira"

A atriz Ana Dulce Pacheco (foto, à janela) recorreu a tons expressionistas para enfatizar o peso que se esconde sob a coloquialidade deste monólogo criado por Daniel Monteiro em 03 de junho de 2009 e apresentado em 15/06/09 na FUNDAJ. Valendo-se dos personagens da senhora de meia-idade e seu filho, o autor constrói uma atmosfera de desencanto e solidão que Ana Dulce sublinhou com uma cena estática, onde só havia o movimento das emoções contidas, filtradas nos lábios tensos que articulavam as falas. Tudo soava como se aquele fosse um momento já vivido, repetido dolorosamente na memória.

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(EM CENA, UM HOMEM DE MEIA IDADE SENTADO NUMA POLTRONA EM FRENTE A TELEVISÃO LIGADA E FORA DE SINTONIA. AO LADO DA POLTRONA ESTÁ UMA BENGALA E UMA MESA AO FUNDO. A MULHER ENTRA EM CENA COM UMA CAIXA E UM GUARDA CHUVA AINDA ABERTO.)

MULHER - Que mal costume tu tens de deixar a porta sempre aberta. (FECHA GUARDA-CHUVA) Não vês que o mundo não está para brincadeira. Essa caixa aí (APONTA PARA TV) não mostra como tudo está?
(SILÊNCIO)
MULHER - E essa chuva que não avisa que vem?
(SILÊNCIO)
MULHER - Em Frankfurt tinha hora pra tudo, sabia?
(SILÊNCIO)
MULHER - Que sujeira! Omo vamos almoçar aqui? Tu não vês a sujeira que esses gatos fizeram? (SILÊNCIO. A MULHER DEIXA A CAIXA NA MESA)
MULHER - Trouxe o que tu mais gosta: ensopado de carne com pasta caseira.
(SILÊNCIO)
MULHER - Johann, tem fezes e xixi de gato por toda a casa. Não acredito que faz três meses que tua esposa morreu. Tudo aqui parece um chiqueiro de gatos.
(SILÊNCIO)
MULHERQue falta me faz teu pai! Mas, estou aqui. Acorda. Lembra-te do que teu pai dizia: “para superar um dor, dê uma volta na praça”. Filho? (ELA VAI AO FILHO) Filho, onde tu estás com a cabeça? Filho, o almoço. Está esfriando.
(SILÊNCIO)
MULHER - Johann? (ELA TOCA NO ROSTO DO FILHO)
MULHER - Filho, tu estás me escutando?
(SILÊNCIO. ELA TOCA NO PEITO DO HOMEM)
MULHER - Filho, volta!
(SILÊNCIO)
MULHER - (ELA FALA EM ALEMÃO, GRITANDO) Socorro! Um médico, por favor!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Texto 06 - "As chinelas do desnaturado"

O diálogo original desta cena foi criado por Diego Albuck em 20 de maio de 2009, reunindo personagens que também foram utilizados por outros autores: a senhora de meia-idade (aqui chamada de Dona Rosa), o filho dela (Alberto) e a menina (Manuela). Na versão condensada que foi apresentada no dia 15/06, os atores Hermínia Mendes (Dona Rosa) e Tatto Medinni (Alberto) materializaram a naturalidade das falas e o tempo dilatado de um dia longo e sem novidades, deixando entrever nas entrelinhas as relações, fragilidades e até o passado dos personagens. A menina Manoela não aparece nesta versão mais curta (alguns textos foram reduzidos para ficar na mesma média de tempo das demais cenas), mas aqui apresentamos as duas versões.

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Versão Apresentada

D. ROSA - Albeeeeeerto! Albeeeeeerto!
ALBERTO - Oi mãe. O que é? Não está vendo que eu estou assistindo a TV?
D. ROSA - Que TV que nada! Pegue os doces da menina!
ALBERTO - A senhora fica babando essa menina só porque ela tem esse sotaque estranho.
D. ROSA - Não estou babando ninguém! Tome tenência, homem. Você sabe muito bem que gosto muito de Manuela porque ela, com essa idade, já fala alemão e você, que é filho de alemão, não sabe falar um oi.
ALBERTO - Papai nunca teve tempo de me ensinar, também, eu nem queria mesmo. Aquela língua lá dele é que era difícil para caramba.
D.ROSA - Sim, deixe de resmungar e pegue os suspiros da menina.
ALBERTO - Tá bom!
D. ROSA - Tá bom, o que? Que filho desnaturado é esse? Mal educado! E porque está descalço? Cadê as chinelas que eu comprei?

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Versão Integral

MANUELA – Olá, Dona Rosa. A senhora tem doces hoje?
D. ROSA – O que menina?
MANUELA – Doces, Dona Rosa.
D. ROSA – Ah. Tenho sim. Tenho de tudo o que é jeito: bolo, suspiros, paçoca, pé-de-moleque, algodão doce, chocolate, trufas...
MANUELA – Calma Dona Rosa, eu ficarei com os suspiros.
D. ROSA – Peraí que eu vou pegá-los para você. Albeeeeeerto! Albeeeeeerto!
ALBERTO – Oi mãe. O que é? Não está vendo que eu estou assistindo a TV?
D. ROSA – Que TV que nada! Pegue os doces da menina!
ALBERTO – A senhora baba essa menina só porque ela tem esse sotaque estranho.
D. ROSA – Babá? E eu sou babá de ninguém? Tome tenência, homem. Voce sabe muito bem que gosto muito de Manuela porque ela, com essa idade, já fala alemão e você, que é filho de alemão, não sabe falar um oi.
ALBERTO – Papai nunca teve tempo de me ensinar, também, eu nem queria mesmo. Aquela língua lá dele é que era difícil para caramba.
D.ROSA – Sim, deixe de resmungar e pegue os suspiros da menina.
ALBERTO – Tá bom! Tá bom, pegarei. Olhe aqui, tome.
MANUELA – (SORRINDO) Brigado seu Alberto e (EM ALEMÃO) que Deus te abençõe.
ALBERTO – O que?
MANUELA – Deus te abençõe.
ALBERTO – Ah, tá bom, e pra tu também.
D. ROSA – Que filho desnaturado é esse e mal educado e porque está descalço? Cadê as legítimas que eu comprei?
ALBERTO – As havaianas?
D.ROSA – As legítimas. Fiz o maior esforço para comprá-las e só o vejo descalço.
MANUELA – Dona Rosa, cadê o meu troco?
D.ROSA – É o que?
MANUELA – O troco. A senhora falta me dar 10 centavos.
D.ROSA – Ah, está certo. É porque estou sem trocados agora. Mas, olha, amanhã você passa aqui que darei a você.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Texto 05 - "Quase cinquenta gatos"

O texto criado por Amanda Virgínia Torres em 06 de maio de 2009 retoma dois personagens recorrentes: o filho da senhora de meia-idade e a menina que adora suspiros. Desta feita a cena mostra um embate seco e misterioso que atiça a curiosidade do leitor/espectador. As atrizes Ana Carolina Miranda (Menina) e Janaína Gomes (Homem) tornaram visíveis as tensões desse embate trabalhando pausas, olhares e o peso de conteúdos não revelados. Se você quiser saber mais sobre estas apresentações, clique aqui.

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(HOMEM ESTÁ SENTADO NO CHÃO EM CIMA DE ALMOFADAS. TEM QUASE CINQUENTA GATOS A SE ENROSCAR POR PERTO. DESCANSA O ROSTO NUMA BENGALA. MENINA RUIVA USA UMA ROUPA BRANCA FEITA DE SUSPIROS E ESTÁ COMENDO A BARRA DO VESTIDO, LAMBUZANDO-SE. OS GATOS SE DISTRAEM DO HOMEM E SE APROXIMAM LENTAMENTE, TENTANDO COMER SEUS SAPATOS)

HOMEM – Ainda agora não te disseram que não poderias entrar aqui?
MENINA – Você pode me perdoar, moço?
HOMEM – Vamos, perdoo, sim, mas nenhum dos cinquenta você levará, entendeu? Direitinho, dessa vez?
MENINA – Estava pensando que seria mais bonito desistir dos gatos, senhor.
HOMEM – Não tenho medo de suas doçuras, elas não vão funcionar, sabe?
(MENINA SORRI LEVEMENTE)
HOMEM – O que você quer agora?
(MENINA TIRA UM PEDAÇO DA MANGA E OFERECE AO HOMEM)
HOMEM – (GARGALHA) Sua garotinha burrinha, não imagino como achou que ia funcionar comigo! (RI) Seu poder pode dominar os gatos, não venha para cima de mim!
MENINA – Eu domino seus cinquenta gatos de uma vez.
HOMEM – Mas não sabe usá-los, menininha estúpida! Nem a eles, nem a mim.
(LÁGRIMAS NOS OLHOS DELA)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Texto 04 - "Eu a quero perto de mim"

Onézia Lima criou seu texto em 06 de maio de 2009, definindo um clima de tensão e expectativa temperado com humor fino e uma boa finalização. Esse monólogo foi interpretado por Eduardo Japiassu (foto) que, mesmo recorrendo a um modo diferente dos outros que usaram o mesmo espaço, também valorizou a proximidade da platéia no palco-corredor. A base naturalista de interpretação aliada ao domínio técnico do ofício criou no trabalho de Eduardo um interessante paradoxo pois, apesar da proximidade imediata, ele tanto manteve o personagem isolado em sua intimidade quanto tornou a platéia cúmplice invariável daquele instante auto-confessional. Se você quiser saber mais sobre esta e outras apresentações, clique aqui.

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HOMEM/EDUARDO
(OLHANDO PARA UM ESPELHO) Sou um idiota. Sim, você mesmo, Eduardo. Você, idiota. Sabe que ela não lhe ama. Nem liga para você. E continua nessa mesma agonia, Nesse chove e não molha. (OLHA PARA O LADO) É ela? Estou sem ação. Não consigo nem controlar minha respiração. Estou gelado, tremendo. Boca seca. Coração batendo forte. Não é ela. Foi impressão. Como sempre tenho essa ilusão de que um dia ela venha até mim. Descubra como a amo. Como quero fazer parte do mundo dela. De saber seu dia-a-dia. Sei que ela nem percebe isso. Trata-me muitas vezes como um estranho. Mas, tem vezes que parece tão próxima. Tem vezes que até parece gostar de mim. Fico feliz de só vê-la. De saber que está bem feliz! Mas que sorriso lindo ela tem! E aquele cabelo tão angelical. Lembra o da minha mãe. Poxa, nunca tinha notado como elas se parecem. Os mesmos cabelos ruivos, lindos! Eu a quero perto de mim. Quero que um dia me olhe e diga: papai.

domingo, 21 de junho de 2009

Texto 03 - "O fogo da lareira"

Ruy Aguiar também recorreu ao gênero épico para construir sua breve e intensa incursão no frio de uma paisagem européia, num texto criado em 06 de maio de 2009. Arthur Canavarro (na foto, no final do corredor), a quem coube representar esta cena, enfatizou a melancolia e a solidão contidas na obra construíndo seu improviso como a longa caminhada de um ancião através do corredor-palco, partindo de um trecho vazio (onde a imagem da solidão fica mais evidente) até encontrar-se com a concentração de espectadores. Com voz grave e clara, o ator-personagem aproximou-se lenta e decididamente, atravessando a platéia como a própria velhice se acerca e penetra a todos. Saiba mais sobre estas apresentações clicando aqui.

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ATOR-PERSONAGEM
Fazia muito frio nessa época do ano no interior da Áustria. Todos os dias Constantin tinha que andar dois quilômetros na neve, para poder achar alguns galhos secos e aquecer a velha lareira de sua pequena casa na montanha. Nesse dia, especialmente, teve muita dificuldade de transportar os galhos, por estar com uma grande ferida na mão esquerda, de uma queimadura que levara há alguns dias. Quando chegou em casa ainda encontrou Rebeca enrolada entre os lençóis. “Minha filha, você ai passar o dia inteiro nesse cobertor?”. “Papai, hoje estou com muito frio e o fogo da lareira está quase apagado”. O pai olhou para a filha e foi colocar a lenha na fogueira. “Acho que agora vou conseguir me levantar”. Naquele ano estávamos sós naquela montanha gelada. Todos os outros moradores tinham ido para casa de parentes, porque todos sabiam que seria um inverno muito rigoroso.

sábado, 20 de junho de 2009

Texto 02 - "Deixem a imaginação bem acordada"

O texto de Giordano Castro, com nítidos traços épicos, foi escrito em 12 de maio de 2009. Os gatos mencionados no texto marcaram o improviso criado pelos atores Kléber Lourenço, Sofia Abreu e Thaiane Cavalcanti. Estes aproveitaram o tom lúdico das falas ao longo do exercício e, ao final, utilizaram o longo corredor para simular a ocupação do espaço pelos felinos, deslizando, miando e transitando entre o público. Saiba mais sobre estas apresentações clicando aqui.

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1 – Olá, não esperem muito dessa história.
2 – Relaxem... Talvez seja o nosso maior objetivo.
3 – Mas, por favor, não durmam.
2 – É... Relaxem somente o corpo.
1 – E deixem a imaginação bem acordada. Vamos precisar muito dela hoje.
3 – É... porque de fato essa história que vai ser contada é muito simples.
2 – Mas, só se vocês quiserem.
1 – Começou. Aquele lá no fundo é o meu filho.
2 – Bom dia mãe!
1 – Bom dia filho...
1 – E aquele lá no fundo é um dos seus gatos.
3 – Miau.
1 – Miau pra você também. Ele tem uma criação de gatos.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Texto 01 - "Você tem suspiros?"

Hoje tem o texto de Anderson Williams, escrito em 06 de maio de 2009. Os personagens, uma alemã de meia idade e uma menina, foram parcialmente criados em uma dinâmica envolvendo todos os participantes do GE de Dramaturgia. As características de ambas (nomes, motivações, conflitos) foram posteriormente expandidas e detalhadas segundo o gosto de cada autor. Esses e outros personagens foram utilizados em exercícios dos gêneros épico, dramático e lírico e são recorrentes em muitas das cenas apresentadas no dia 16/06 (saiba mais sobre estas apresentações clicando aqui). O improviso baseado neste texto foi criado por Cristina Siqueira (Izi) e Tatto Medini (Maria), que optaram por uma abordagem leve, jocosa, lúdica e doce como os suspiros da história. Tanto nesta quanto em outras cenas, esse enfoque ajudou a driblar as limitações impostas pelo exercício (falta de tempo, luz, maquiagem, figurino), valorizando as condições de improviso como possibilidade lícita - e produtiva - no jogo teatral e favorecendo a poesia contida na cena.

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(MULHER DE 55 ANOS, MARIA FUGIDA DA GUERRA DA ALEMANHA E POR CONTA DISSO NÃO ESCUTA BEM, MORA NO BRASIL HÁ 10 ANOS E É APOSENTADA DOS CORREIOS.)

(CASA DE MARIA, NOITE, ELA TRICOTA SENTADA NUMA CADEIRA DE BALANÇO COM A TV LIGADA NO VOLUME BEM ALTO E MAL PRESTA ATENÇÃO NO QUE SE PASSA NA TV. DE REPENTE A LÃ DO TRICÔ ENGANCHA E ELA PUXA, ESTÁ PRESA A ALGO QUE ELA NÃO SABE. E ENTÃO ELA VÊ. MARIA SE ASSUSTA)

MARIA - Como você chegou aqui?
IZI - Eu sempre estive aqui.
MARIA - Eu sei que não porque eu moro aqui sozinha.
IZI - Eu sei que sim porque moro aqui com você.
MARIA - O que você quer?
IZI - Contar-lhe uma história.
MARIA - Onde estão seus pais?
IZI - É sobre eles que eu quero lhe falar.
MARIA - Então comece.
IZI - Mas antes... você tem suspiros?
MARIA - Como?
IZI - Suspiros, aquele doce, comida de criança.
MARIA - Não, eu não tenho suspiros.
IZI - Não pode ser. Em todas as casas que vou tem suspiros.
MARIA - Mas esta não tem.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Texto 00 - "Olhe para a luz!"

O texto abaixo foi escrito em 08 de abril de 2009 por Edivane Bactista. É uma fala de Morgue, personagem idealizado por Ailton Brito e escolhido num trabalho de equipe como referência para criação de cenas. Morgue é um “recém-morto” de meia idade, tem cabelos soltos e desfiados, olhar frio, às vezes sarcástico, voz rouca e sotaque forte. Enquanto vivo não foi uma boa pessoa e depois de morto as coisas não mudaram muito. A cena foi interpretada por Hermínia Mendes no espaço de um banheiro masculino. Como o espaço só comportava quinze espectadores de cada vez, foram realizadas duas apresentações. Na cena, de afiado humor negro, Morgue vislumbra a esposa ainda viva no leito de um hospital, torcendo para que ela morra e o reencontre no além. Hermínia exercitou a ênfase na morbidez da situação, deixando o sarcasmo em segundo plano e sugerindo uma condição de loucura de seu personagem.

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MORGUE
Ah! Ah! Ah! Venha meu amor ou você pensou que eu ia conseguir viver sem você? Afinal foram 40 anos de vida em comum. Vá! Não desista! Olhe para a luz! A tão famosa luz, meu docinho! Olha, deixa de frescura e anda logo que eu já não agüento mais esperar! Não quero me irritar! Você sabe como fico quando viro uma fera... Ai... que demora... venha embora... Essa não! Os médicos chegaram! O que? Reanimar? Não!!! Eu te amo! Venha... Isso... Isso... Vemos que eu estou com saudade da sua comidinha! Ah... Massagem para reanimar? Não! Não! Isso não! É muita adrenalina para mim. Ai que raiva. Relaxa.

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Se quiser saber mais sobre estes textos e apresentações, clique aqui.

Conheça os textos do dia 15/06


UM TEXTO POR DIA!
A partir de hoje você vai conhecer os textos das 21 cenas representadas no dia 15/06 na FUNDAJ do Derby, bem como ficará sabendo mais um pouco sobre o que aconteceu naqueles trabalhos. Aqui neste blog, a cada dia e sempre às 21h, uma nova postagem será feita abordando um dos 21 textos apresentados e comentando detalhes da respectiva representação.

SOBRE OBRAS E AUTORES
Esses escritos teatrais foram criados como parte de algumas dinâmicas dos encontros do Grupo de Estudos de Dramaturgia, em exercícios onde os participantes dispunham de pouco tempo (entre cinco a dez minutos) para idealizar e desenvolver cada cena. Visando equilibrar os tempos de cada trabalho, alguns textos foram apresentados na FUNDAJ em versões reduzidas, mas serão apresentados aqui no blog em sua forma integral. Assim, descontada a revisão ortográfica de eventuais deslizes decorrentes desse tipo de exercício, cada texto poderá ser lido em sua forma bruta, sem quaisquer ajustes dos autores.

SOBRE OBRAS E ATORES
Os atores, por sua vez, também tiveram sua cota de desafio, pois só conheceram os textos no dia da apresentação. Tiveram apenas vinte minutos para ler e se apropriar do conteúdo, criar um improviso e apresentá-lo à pequena platéia composta dos próprios dramaturgos e alguns familiares mais próximos. Pela quantidade de personagens e de cenas, cada ator/atriz recebeu entre dois e três textos para representar.


quarta-feira, 17 de junho de 2009

21 cenas

Com uma equipe mínima e trabalho dobrado para administrar os grupos, o blog ficou paralisado durante o trimestre em que duraram as atividades desta primeira etapa dos GEs. Para compensar, iniciaremos hoje uma série de posts contendo imagens e conteúdos referentes as atividades deste trimestre, começando pelo final. Vejam aqui as fotos do trabalho de conclusão realizado no dia 15/06, envolvendo improvisos criados pelos membros do GE de Trabalho do Ator, a partir de textos dos 21 integrantes do GE de Dramaturgia. Esse experimento usou as dependências do edifício da FUNDAJ do Derby e, por suas características, não pôde ser aberto ao público geral. Aguardem mais novidades amanhã mesmo aqui no blog.