quinta-feira, 30 de julho de 2009

Três gêneros, três textos

Para exemplificar os tópicos da série de postagens sobre os gêneros dramatúrgicos, que apresentamos aqui nas últimas três semanas, veja a seguir três textos criados nos encontros do Grupo de Estudos de Dramaturgia (GED), nos quais cada autor enfocou as características de um determinado gênero.

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ÉPICO
Sem título, por Cleyton Cabral em 06/05/09


(ATOR ENTRA, FALA COM A PLATÉIA, LUZ GERAL)

ATOR
Boa noite a todos. Desculpe-me o atraso de cinco minutos pro espetáculo começar. É que tivemos um problema técnico na luz. (APONTA PARA OS REFLETORES) Bom, vocês podem estar se perguntando o porque de eu estar todo molhado... Não, eu não tomei um banho de chuva. Se estou com frio? Muitíssimo. Por favor desliguem seus celulares. Se realmente estiverem esperando uma ligação de urgência, deixem no modo silencioso. Vibrou, você sai pelo corredor sem fazer muito barulho, eu não vou me incomodar.


(CAMINHA PELO PALCO E PÁRA EM DETERMINADO PONTO. LUZ SOBRE ELE)

ATOR
Elas tinham as mesmas idades, o mesmo tom de voz, eram roucas e fumavam demais. Cigarro. Elas eram siamesas. Até aí, tudo igual, né? Mas uma coisa que mudava todo o contexto da vida delas: eram totalmente diferentes no temperamento. Uma ficava triste, a outra gozava o prazer de mais um cigarro de capuccino. Uma chorava, a outra gargalhava vendo novela mexicana. Irma e Irna. Quatro letras. Apenas uma letra para ser diferente. (USA DE EXPRESSÃO CORPORAL PARA INTERPRETAR AS DUAS, VIRANDO O CORPO PARA O LADO DIREITO OU PARA O ESQUERDO.) Mais um? (REPRESENTANDO ACENDER UM CIGARRO SEM CIGARRO E SEM ISQUEIRO. VIRA O LADO DO CORPO PARA REPRESENTAR A OUTRA IRMÃ) Mais um. (REPRESENTA ACENDER O CIGARRO. VOLTA-SE PARA A PLATÉIA) Era assim todos os dias. As duas fumavam mais de duzentos cigarros. (IMITA AS SIAMESAS NUM MOVIMENTO COM OS BRAÇOS, LEVANDO AS MÃOS ATÉ A BOCA) A casa era branca até elas decidirem entrar no vício. O teto amarelou de fumaça. A sala de jantar da casa parecia mais um cinzeiro gigante. (TOSSE COMO SE O PALCO ESTIVESSE TOMADO POR FUMAÇA)


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LÍRICO
Sem título, por Márcio Andrade, em 06/05/09

PERSONAGEM
Era inveja. Não queria mais ouvir aquilo. É. É isso. O que eu podia contar pra ela? Ela já tinha ido embora há vinte anos. Não existia mais. (SILÊNCIO) Aquelas deviam ser minhas histórias! Mas quem ia querer me ouvir? Quem ia querer saber porque eu manco? Porque deixei Lurdes na igreja? Quem quer? (SILÊNCIO) Talvez seja o silêncio. Eu me aprisionei no meu silêncio e deixo ele chegar antes de mim. Ele fala mais do que eu. Em silêncio, posso ser o que quiser. Ser perfeito. Ser bom. Quem desconfia do silencioso? Quem olha pra ele? Ela não fala mais agora, mas todo mundo olha pra ela. A cidade toda. Pra alguém que não sai de casa faz tempo, ela era até querida. Acho que quando morre alguém todos querem aproveitar o que não tiveram. E enxergam a pessoa como aquele bloco de carne, cheio de vidas, histórias. No meu caso... alguém vai querer aproveitar alguma coisa? Talvez inventem coisas ao meu respeito. Que eu matei soldados e esfolei novilhos. Essa é a vantagem do silêncio. E quem
quer saber a verdade? Verdade não se conta.

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DRAMÁTICO
Sem título, por Fabiana Coelho, em 06/05/09

(CORINA, CRIANÇA DE SETE ANOS, COLA SELOS SENTADA JUNTO A UMA MESA. NO SOFÁ, AS IRMÃS SIAMESAS LÊEM)

CORINA - Tia Bel, olha este selo, que lindo!
ISABEL - Lindo, Corina... Muito lindo!
CORINA - É da Hungria!
ISABEL - Hungria? É na Europa, não é?
CORINA - Não sei. É fora do Brasil. Acho que é no Rio de Janeiro.
ISABEL - Não ,meu amor. O Rio de Janeiro é no Brasil. (PARA A IRMÃ) Eliza, onde é a Hurngria?
ELIZA - Isabel! Quantas vezes eu vou ter que dizer pra não interromper quando eu estiver lendo? Que droga!
ISABELE - De que te serve esta merda de leitura se você não pode tirar uma dúvida de tua sobrinha?
ELIZA - Não vê que é o livro quem me tira desta prisão? Queria eu poder sair pra vida... Que dirá a Hungria!
ISABEL - Corina não tem culpa das nossas tristezas!
CORINA - Mas eu não consigo passar por cima delas!

(CORINA SE AFASTA, OLHOS BAIXOS)

ISABEL - (BAIXINHO) Viu o que você fez? Está contente?
ELISA - Contente? Que palavra é essa? Esse termo não existe em meu dicionário.
ISABEL - Corina é nossa maior alegria! Olhar para ela é como olhar para Amparo...
ELISA - Cala essa boca, Isabel! Não fale de Amparo!
ISABEL - E por que não?
ELISA - Por que eu não aguento. Porque minha alma se enche de lembranças. Porque meu coração se enche de alegria. E quando eu abro os olhos está tudo vazio... está tudo oco! Inclusive eu...

(SILÊNCIO. AS IRMÃS SE OLHAM. ELISA CHORA. ISABEL FAZ UM AFAGO EM SEUS CABELOS. DO OUTRO LADO, NA MESA, CORINA ESPIA E APROXIMA-SE. DÁ UM BEIJO EM CADA UMA DAS IRMÃS E VOLTA PARA SEUS SELOS)

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O Dramático em tópicos

Seguindo nossa programação do mês de férias dos grupos de estudos, estamos postando semanalmente tópicos estudados no primeiro semestre e que se referem a três gêneros: o épico, o lírico e o dramático. Esta semana trazemos alguns tópicos que caracterizam o gênero dramático:

a) Pronome: Tu (Você).
O diálogo ocupa o lugar que, no épico, pertence à narração.
b)
O autor se manifesta "indiretamente": a função do narrador é absorvida por personagens/atores. Os personagens "tem" sua própria subjetividade.
c) O diálogo decorre do confronto de vontades, movendo e evidenciando a ação.
d) “O objeto é tudo”.
e) O mundo parece funcionar de modo autônomo, sem necessidade de mediação: a ação explica-se a si mesma.
f) Depende de uma platéia, mas é apresentado como se ela não existisse: não são atores em cena, mas personagens; não há cenários, mas ambientes.
g) Traços aproximados das chamadas “regras aristotélicas”:
- O início não é arbitrário, mas determinado pela ação que se pretende apresentar
- A peça termina quando a ação definida chega ao fim;
- Rigoroso encadeamento causal;
- A peça é um organismo. Todo elemento dispensável e não-motivado é nocivo a esse sistema.
h) A ação dramática sempre acontece pela primeira vez.
i) Exige um “avançar ininterrupto”
[1]. O tempo é linear e sucessivo, como a própria realidade. O futuro é desconhecido.
j) Cada cena é apenas elo, tendo valor funcional apenas no todo.
l) Necessita do palco para completar-se cenicamente, já que os diálogos não dizem o suficiente.O autor dramático vê a ação mover-se diante dele
[2].

Leia aqui, na próxima quinta (dia 30 de julho, a partir das 21h), três textos criados em exercícios realizados nos encontros do grupo de estudos de Dramaturgia, enfocando as características dos gêneros épico, lírico e dramático.

[1] Goethe, citado por Rosenfeld.
[2] Schiller, citado por Rosenfeld.
Fonte: ROSENFELD, Anatol. Teatro Épico. Coleção Debates, São Paulo: Perspectiva, 2000, 4.a edição

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O Lírico em tópicos

No mês de férias dos grupos de estudos, postaremos aqui semanalmente tópicos estudados no primeiro semestre e que se referem a três gêneros: o épico, o lírico e o dramático. Esta semana relacionamos aqui alguns tópicos que caracterizam o gênero lírico:

a) Pronome: Eu. O autor fala de si para si mesmo.
b) “O sujeito é tudo”, assim, não há oposição entre sujeito e objeto.
c) Presença de uma voz central, através da manifestação “imediata” de uma emoção ou de um sentimento.
d) Caráter monológico, não exige ouvintes; pura auto-expressão.
e) Expressão de emoções, disposições psíquicas, reflexões, concepções e visões enquanto intensamente vividas e experimentadas.
f) Brevidade.
g) O “Eu Lírico” é a fusão da “alma que canta” (ou “consciência lírica”) com o mundo.
h) O universo como expressão de um estado interior.
i) Uso do ritmo, da musicalidade das palavras e dos versos.
j) O presente como um “momento eterno”.

l) Expansão do significado de fatos, pessoas e coisas, que ganham valor de metáfora.

Leia aqui, na próxima quinta (23 de junho, a partir das 21h), O Dramático em tópicos. E no dia 30 de junho, três textos inéditos exemplificando os gêneros épico, lírico e dramático.

Fonte: ROSENFELD, Anatol. Teatro Épico, Coleção Debates, São Paulo: Perspectiva, 2000, 4.a edição

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Novidades 2

Com a conclusão do ciclo dos 21 textos apresentados, que teve postagens diárias, a partir de hoje este blog será atualizado regularmente todas as quintas-feiras às 21 horas. Eventualmente poderemos postar novidades também em outros dias e horários, dependendo da urgência e da quantidade de material para divulgar.

A postagem de hoje, que você pode conferir logo abaixo, aborda o gênero épico, dando início a uma pequena série de posts contendo características de três gêneros dramatúrgicos, resumidas em tópicos extraídos do livro "O Teatro Épico", de Anatol Rosenfeld.

O Épico em tópicos

a) Pronome: Ele(s). Um observador descreve ações de outros.
b) O ato de narrar define a presença de
um narrador.
c) Se há um narrador, pressupõe-se a existência de uma platéia que o escuta/assiste.
d) A narração também inclui os estados de alma dos personagens (o que não exclui que o narrador também se coloque diante do que narra).
e) Há uma atitude distanciada e objetiva diante de personagens e fatos acontecidos.
f) O narrador tem um conhecimento geral da ação (inclusive da ação interior) dos personagens.
g) O mundo no Épico é amplo (vastidão de possibilidades narrativas)
h) Há definição clara entre sujeito e objeto:
- O narrador nunca se metamorfoseia nos personagens, apenas os “representa”
- O narrador mostra e ilustra
i) O passado é trazido ao presente através do narrador.
j) Fatos, pessoas e coisas são mostrados claramente sob o ponto de vista do narrador.
k) “Cada momento tem seus direitos próprios”
[1].
l) O narrador “não corre impaciente para um alvo”
[2] mas debruça-se em ampla medida sobre situações e estados de coisas.O autor épico move-se em torno da ação, que parece estar em repouso.

Na próxima quinta, leia aqui o Lírico em tópicos.

[1] Frase de Rosenfeld.
[2] Schiller, citado por Rosenfeld.
Fonte: ROSENFELD, Anatol. Teatro Épico, Coleção Debates, São Paulo: Perspectiva, 2000, 4.a edição

Novidades 1

Lamentamos informar que não será possível abrir novas vagas para o segundo semestre nos Grupos de Estudos. Além de estarmos enfrentando séria limitação de pessoal para desenvolver e organizar os trabalhos, os grupos estão atualmente com o justo tamanho para se trabalhar dentro do pouco tempo disponível a cada semana. Esperamos encontrar uma solução em breve, de modo que novos integrantes possam se incorporar a estes trabalhos no próximo ano.

Por outro lado, o segundo semestre terá atividades abertas à participação do público, o que já é uma forma de minimizar as dificuldades às quais nos referimos acima. Vale a pena ficar atento ao cronograma de atividades com platéia aberta, que será divulgado aqui, no dia 06 de agosto. Os trabalhos dos Grupos de Estudos estarão em recesso no mês de julho, devendo ser retomados na primeira semana de agosto/2009.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Texto 20 - "Maior do que eu te amo"

O texto criado por Carlos Ferrera (08/04/09) e interpretado por George Cabral finalizou as atividades do dia 15/06/09. Esta cena contém uma declaração de amor feita pelo personagem Vito e, pelo modo como tocou a todos quando foi lido pela primeira vez, tornou-se um dos textos mais queridos pelo Grupo de Estudos de Dramaturgia. Vito é um menino de seis anos, ruivo e com sardas. Ele foi criado por Cleyton Cabral no mesmo trabalho de equipe que também gerou o personagem Morgue, de Ailton Brito. Vito leva uma gaiola a todo lugar que vai. Se encontra desconhecidos, pergunta-lhes quais são seus sonhos, anotando as respostas num papelzinho e pondo dentro da gaiola. Quando chega em casa lê um por um e depois pendura a gaiola na janela com a portinhola aberta, para que os sonhos voem como pássaros e se realizem. Ciente de que muitas pessoas já realizaram seus sonhos, Vito quer realizar o dele: conhecer seus pais verdadeiros. Ao improvisar a cena, o ator George Cabral evitou a caricatura de criança, buscando na sua própria inocência as inflexões que deu ao texto. Com simplicidade e eficácia, complementou sua construção falando diretamente para a platéia, dando suas falas de joelhos, atrás de um birô, simulando a altura de um menino de seis anos.

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VITO
Todos os dias eu agradeço ao rei dos passarinhos por tudo que o senhor fez por mim. Quando eu encontrar minha mãe e o meu pai vou pedir pra eles deixarem o senhor morar conosco. Lembra quando o senhor cuidou do dodói no meu dedo... e daquela vez que eu caí da escada e o senhor veio e me levantou. Nossa! O que seria de mim sem o senhor, não é? Existe uma palavra maior do que eu te amo pra dizer eu te amo pro senhor? Talvez não tenha, né? Então toda vez que eu disser “eu te plou!” vai querer dizer tudo, certo?

terça-feira, 7 de julho de 2009

Texto 19 - "Formigas na calcinha"

A exemplo de Cleyton Cabral, George Carvalho (03/06/09) foi outro autor que optou por radicalizar na abordagem da Menina. Também dispensando os suspiros, George levou a personagem para a puberdade num hilário e desconcertante monólogo. Ana Dulce Pacheco encarou o improviso delimitando um amplo espaço vazio no corredor do segundo andar da FUNDAJ. Essa idéia ajudou a simular o gramado citado nas rubricas, sugerindo a intimidade-à-céu-aberto da cena. Para a atriz, o desafio pareceu maior na sincronia do texto com a cadeia de ações e reações da Menina, no contato desta com a grama. De longe, a platéia se deliciava, tão perplexa quanto a personagem.

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(ELA ESTÁ LENDO NO JARDIM DA CASA DELA, DEITADA NA GRAMA. AO LADO, LIVROS E CADERNOS DA ESCOLA)

MENINA
Essa grama já esteve mais bem aparada! Vou reclamar com o jardineiro... (DÁ UNS TAPINHAS NAS PERNAS) Ai! E tem umas formigas me pinicando.. Ai! E parece que entrou uma na minha calcinha... (PÕE A MÃO LÁ DENTRO. ASSUSTADA) Meu Deus, ela me picou... (TIRA A MÃO MELADA DE SANGUE) Tá saindo até sangue! (ELA FAZ CARA DE DESESPERADA. DEPOIS COMEÇA A RIR SEM PARAR) Formiga que morde e sai sangue? Ora, onde já se viu! (RI MAIS AINDA, COM MAIS NATURALIDADE. PÁRA DE REPENTE) Puta que pariu: menstruei! (OLHA PARA OS LADOS. ARRANCA UMA FOLHA DE CADERNO E COLOCA PARA ESTANCAR O SANGUE.) Vou precisar de um absorvente! (SAI, COM A MÃO SEGURANDO O PAPEL DENTRO DA CALCINHA)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Texto 18 - "Quero ser a Barbie quando crescer"

Cleyton Cabral oferece no texto desta cena uma outra abordagem da Menina dos suspiros, desta vez sem precisar mencionar os suspiros. Com enfoque mordaz e bem humorado – que vem se configurando como uma marca de Cleyton em seus trabalhos – o autor constrói a personagem num tempo-espaço onde se mixam imagens poéticas, ironia e crítica de costumes. O ator Arthur Canavarro fez uma leitura dramatizada desta cena e, a exemplo de outros atores que se depararam com desafios semelhantes, dispensou a facilidade de uma apresentação afetada e de mero apelo ao riso da platéia para focalizar-se na delicadeza da personagem. Sem pretender ser naturalista na abordagem (até porque se tratava de um homem representando uma menina), o resultado que o ator obteve foi fiel ao espírito original do texto, tocando o risível sem exagerar no ridículo. A simplicidade dessa construção, aliada a um andamento sem pressa, ajudou a valorizar falas e interpretação, destacando nuances de intenções e humanizando a personagem.

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MENINA
Será que terei o corpo igual ao da minha Barbie Sonho? Aiii, é o meu sonho. Ela é tão magrinha, tão branquinha, com esses cabelos dourados. Quero ser a Barbie quando crescer. Mas, como? Se sou gordinha, pretinha e tenho o cabelo pixaim? Mas Michael Jackson também era pretinho e quando ele cresceu, ele ficou branquinho como o Ken. O Ken é tão bonito, os olhos azuis, parece um anjo. Só não tem asas. Eu também não tenho asas. Queria voar como passarinho, bem alto, lááááá em cima. Lá no céu e ver tudo pequenininho como uma formiga. Sonhei com uma formiga que voava. Ela tinha os cabelos loiros e os olhos azuis e era bem branquinha, como a Barbie. Ai, eu queria ser a Barbie. E encontrar um príncipe encantado parecido com o Ken. E nós dois voaremos por aí, beeeeeeeem alto. Deitar nas estrelas e olhar pra baixo e chamar todas as formiguinhas-anjos. Eu gosto tanto desse joguinho de computador. Só tenho medo do homem de barba que diz eu te amo para mim. Ele fica querendo me ver na escola. Eu tenho medo dele. Coloquei todas as minha Barbies na porta de casa.

domingo, 5 de julho de 2009

Texto 17 - "A hora da novela"

Nesta cena estão de volta os personagens da mãe de meia-idade e do filho de trinta e poucos anos. Aqui, porém, o tom poético em que transitaram outros autores dá lugar ao olhar irônico da autora Laura da Hora sobre o cotidiano. Explorando esse texto com o mesmo tom indicado pela autora, os atores Eduardo Japiassu (Mãe) e Regina Medeiros (Filho) apresentaram um improviso sem caricatura, que manteve o efeito cômico na inversão dos papéis. Essa construção tornou nítidos os personagens e suas motivações, evidenciando a força de seus subtextos sem prejuízo do humor negro da situação. Assim, entre o deboche e a contundência de uma situação prosaica, rescendia na comicidade do absurdo diário o amargor das convivências truncadas, do desamor nunca assumido, da desumanidade vista como algo natural e aceitável. Como se tratava de uma cena mais longa que a média, também ali foi apresentada uma versão reduzida. Veja a seguir as duas versões.

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Versão Reduzida

FILHO - Mãe, preciso revelar algo.
MÃE - Na hora da novela Aguinaldo? Espere dar o comercial!
(O FILHO SE SENTA AO LADO PARA ASSISTIR A NOVELA)
MÃE - Teu filho vem amanhã?
FILHO - É sobre ele mãe...
MÃE - Espere o comercial.
(VOZES DA TELEVISÃO, ENTRA O COMERCIAL)
MÃE - Diga!
FILHO - Sobre o Tião.
MÃE - Sim.
FILHO - Tião. Meu filho...
MÃE - Sei, sei, prossiga, antes que a novela comece.
FILHO - O problema, mãe, é que eu não sei o que falar... É tão chato... Puta que pariu, puta que pariu, sei lá, mas eu preciso contar. (SILÊNCIO) Sabe o Tião? O nosso Tião? Mãe, eu não acredito que isso aconteceu comigo. Porra! Comigo, porra! (SILÊNCIO) Desculpa, mãe, mas há ocasiões em que um homem como eu, uma vez na vida, precisa explodir, mesmo que isso fira a minha índole.
(COMEÇA A NOVELA, A MÃE VOLTA A PRESTAR ATENÇÃO NA TV)
FILHO - Mãe! A senhora não vai gostar de saber.
MÃE - Não agora Aguinaldo, na hora da novela.
(SILÊNCIO. PASSA O TEMPO, VOLTA O COMERCIAL)
MÃE - Fale agora Aguinaldo, e se possível não diga palavrão que eu não gosto.

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Versão Integral

FILHO - Mãe, preciso revelar algo.
MÃE - Na hora da novela Aguinaldo? Espere dar o comercial!
(O FILHO SE SENTA AO LADO PARA ASSISTIR A NOVELA)
MÃE - Teu filho vem amanhã?
FILHO - É sobre ele mãe...
MÃE - Espere o comercial.
(VOZES DA TELEVISÃO, ENTRA O COMERCIAL)
MÃE - Diga!
FILHO - Sobre o Tião.
MÃE - Sim.
FILHO - Tião, meu filho...
MÃE - Sei, sei, prossiga, antes que a novela comece.
FILHO - O problema, mãe, é que eu não sei o que falar... É tão chato... Puta que pariu, puta que pariu, sei lá, mas eu preciso contar. (SILÊNCIO) Sabe o Tião? O nosso Tião? Mãe, eu não acredito que isso aconteceu comigo. Porra! Comigo, porra! (SILÊNCIO) Desculpa, mãe, mas há ocasiões em que um homem como eu, uma vez na vida, precisa explodir, mesmo que isso fira a minha índole.
(COMEÇA A NOVELA, A MÃE VOLTA A PRESTAR ATENÇÃO NA TV)
FILHO - Mãe! A senhora não vai gostar de saber.
MÃE - Não agora Aguinaldo, na hora da novela.
(SILÊNCIO. PASSA O TEMPO, VOLTA O COMERCIAL)
MÃE - Fale agora Aguinaldo, e se possível não diga palavrão que eu não gosto.
FILHO - Mãe, sabe o Tião e a Júlia, as minhas suspeitas?
MÃE - Mas, não sei, não me contaste nenhuma delas, mas quais são as tuas suspeitas?
FILHO - Foram confirmadas. Eu já vinha notando que o Tião... Porra mãe! O Tião não é meu filho!
MÃE - O Tião não é teu filho? Nem meu neto?
FILHO - Puta que pariu! Puta que pariu! Aquela vaca da mãe dele me enganou.
MÃE - Sim, te enganou por três anos e não sei quantos salários mínimos... És um palerma! Um grandessíssimo palerma!
FILHO - Porra mãe! Precisa tocar na ferida? Precisa? Precisa?
MÃE - Porque todo mundo te passa a perna Aguinaldo, todo mundo!

sábado, 4 de julho de 2009

Texto 16 - "Está com pena de que?"

Escrito por Elton Rodrigues em 06/05/09, o texto retoma o personagem Morgue, criado em um trabalho de equipe num dos encontros do GE de Dramaturgia (saiba mais sobre Morgue no post Texto 00 – “Olhe para a luz!”). Para criar o improviso no dia 15/06/09, a atriz Sofia Abreu usou velas para sugerir o velório indicado no texto e convencionar o espaço onde estaria o caixão. Desse modo ela pôde ter liberdade de, como o personagem, mover-se no espaço cênico e dar uma idéia de que “estava” simultaneamente em dois lugares: no caixão, como corpo, e com a platéia, como fantasma. Embora curta e ambientada em um instante do velório do personagem, esta cena faz ironia com a intolerância crônica de Morgue e ao mesmo tempo oferece um vislumbre mais claro do tipo de cenário – tanto objetivo quanto subjetivo – em que ele habitava antes de morrer.

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MORGUE
Velha chata, imbecil, cricri. Todos os dias me acordando com aquele canário infeliz. Você não sabe o quanto eu te odiava... E todo dia vinte tava lá na minha porta (DEBOCHANDO) “Bom dia seu Morgue, vim buscar o condomínio”. Ah, como eu odeio que me cobrem. Pensa que eu não sei que a senhora gastava o dinheiro do condomínio pra comprar remédio pro seu marido? Sonsa. E não vem com essa de chorar em frente ao meu caixão não. Tá com pena de que? Da minha morte eu sei que não é. Deve ser dos R$200,00 reais a menos todo mês, né? Ah, se você pudesse me escutar... Queria só um pouco de voz pra você morrer junto, dona Judite. A gente ia apostar corrida pro inferno. (DONA JUDITE CONTINUA CHORANDO, SEM OUVIR NADA DO QUE MORGUE FALAVA)

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Texto 15 - "Sem consciência"

O texto de Eli Maria (de 06 de maio de 2009) tem uma forte marca poética. Ele foi interpretado por Cristina Siqueira que recorreu a um enfoque épico para construir as bases de seu improviso. Na interpretação de Cristina a personagem vive um estado de embriaguez partilhado com a platéia através de uma garrafa de vinho. Nesse cenário complementado pelos tons pardacentos da luz de velas, a perplexidade sugerida pelo texto se amplia, mostrando um desespero iminente transparecendo aqui e ali, provisoriamente contido, anestesiado pelo álcool. Clique aqui para obter mais informações sobre este e outros textos apresentados em 15/06/09.

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Todos os dias eu lia e relia essas cartas e eu amava aquele homem, era o meu homem, no meu momento íntimo. Aquelas cartas estavam, sim no seu destino, era aquele o meu destino! E eu não sabia! Eu não sabia! Tudo o que eu mais esperava era chegar em casa para tomar um belo banho, por a minha camisola e abrir um novo capítulo. Passavam-se os meus dias, e eu não sabia! Passavam-se os meus anos, minhas horas e tudo aquilo que brotava dentro de mim tinha seu caminho espalhado, embriagando o ar do meu quarto, o tapete, as cortinas; o meu travesseiro. Era tão bom que eu não sentia medo e nem culpa. Eu não sabia! Eu não sabia! Eu juro que eu não tinha a menor consciência. Era o que eu tinha de mais emocionante para os meus dias. Eu não sabia!

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Texto 14 - "Suspiros secretos"

O texto de Dani Abreu (de 26 de maio de 2009) também enfoca a amizade entre a menina e a mulher de meia-idade, desta vez batizadas com os nomes de Clara e Dona Francisca. Com a responsabilidade de criar uma cena itinerante, que fizesse a transição entre dois espaços, as atrizes Janaína Gomes e Regina Medeiros aproveitaram a ação já sugerida no texto e incorporaram nela o elevador real existente no segundo pavimento da FUNDAJ. As indicações cenográficas, que poderiam ter complicado o improviso, reverteram em benefícios para as duas atrizes: elas se apropriaram com segurança tanto do espaço quanto de seus personagens, criando uma ação vívida e caracterizações empáticas e envolventes.

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CLARA - Onde a senhora vai D. Francisca?
D.FRANCISCA - Vou ao mercado, fazer minhas compras dos doces.
CLARA - A senhora vai comprar suspiros?
D.FRANCISCA - Claro e também vou lhe dar se é isso que voce quer saber. Quem me dera estar nessa fase, em que um suspiro faria meu dia mais alegre. Hoje meus suspiros não são mais doces.
CLARA - Como assim D. Francisca?
D.FRANCISCA - É que existem dois tipos de suspiro, minha menina: o doce, que é o que voce adoooora comer e um outro. Este outro vem com a vida.
CLARA - Quer dizer que vão aparecer outros suspiros na minha vida? Ebaaaaaaa, quero todos. Quando vai ser? Quando vai ser?
D.FRANCISCA - Nem todos vão lhe agradar. Vamos colecionando vários suspiros no decorrer dos anos, suspiros de lamentações, suspiros de saudades, suspiros de agonia e tantos e tantos outros.
CLARA - Aaah, então, se senhora já é um pouco velhinha, deve ter um monte desses suspiros guardados!
D.FRANCISCA - Tenho sim.
CLARA - E eu não posso provar agora porque sou pequenininha, né?
(D. FRANCISCA FAZ QUE SIM COM A CABEÇA)
CLARA - (A PARTE, PARA SI MESMA) Eu sabia, eu sabia que D. Francisca tinha suspiros secretos, vou procurar todos e vou achar tudinho, esse da saudade que ela falou , o da agonia e o das lamentações e ainda tem os outros que ela não quis falar mas eu vou descubrir... Ah se vou!

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Texto 13 - "Nova alma velha"

Com um efeito oposto ao utilizado pelo ator Eduardo Japiassu para o texto de Onézia Lima (ver post Texto 04 - Eu a quero perto de mim), a atriz Thaianne Cavalcanti valeu-se da proximidade com a platéia para explorar as possibilidades de uma relação direta com os espectadores. Se o texto criado por Telma Ratta soa tão confessional quanto o de Onézia, na abordagem que Thaianne apresentou em 15/06/09 ele é colocado como uma lúdica e explícita partilha de instantes e impressões íntimas oferecida sem inibições para uma roda de pessoas - que podem ser amigos ou estranhos, isso não parece importar à personagem Quitéria. Demonstrando estar muito à vontade com a personagem, tanto a autora quanto a atriz permitiram um vislumbre de outros aspectos do interior daquela mesma menina apaixonada por suspiros já vista em outras cenas.

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QUITÉRIA - Todos dizem que sou precoce. Que apesar de tão pouca idade, afinal são só dez anos de existência, às vezes me comporto, às vezes não, quase sempre me comporto como adulta. Um dia minha mãe me disse que eu era mais velha que ela. Perguntei: “como pode a filha ser mais velha que a mãe?” Ela explicou que as pessoas tem duas idades: uma do tempo em que ela nasceu e uma do tempo que sua alma anda no mundo. Minha mãe acredita que minha alma é sábia e que está reencarnando há cinco mil anos, no mínimo! Às vezes eu também acredito nisso. Às vezes não, quase sempre. Isso explica muitas vontades que tenho, principalmente minha amizade com pessoas mais velhas. Num gosto muito de conversar com pessoas da minha idade. Na verdade, meus melhores amigos já passaram dos trinta. A dona Gê, por exemplo, ela tem setenta anos e a gente conversa e se gosta tanto! Sinto que ela me respeita, conversa comigo de igual para igual. Diz coisas que nem o filho dela sabe.