Uma curiosidade sobre esta cena: originalmente criada por Márcio Andrade para um único narrador, seu texto foi desdobrado pela coordenação dos grupos para acolher mais um ator em sua apresentação na noite de 15/06/09 na FUNDAJ (veja abaixo as duas versões do texto). Como o segundo ator previsto não pôde vir para a apresentação, Kléber Lourenço acabou interpretando o texto original. Com uma abordagem sensível e cheia de nuances, Lourenço explorou as possibilidades de criação de imagens proporcionadas pelo caráter épico do texto, valorizando - na fonação, nas pausas e nos gestos – os sucessivos climas e intenções propostos pelo autor. Na história, retornam personagens como a mulher de meia idade, o filho dela e a menina.
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Versão original para um ator
NARRADOR - Tudo começou e terminou com um suspiro. Sabem aquela ali do lado? E aquele ali? Bom, não há mais nada a fazer depois que tudo aquilo tinha vindo á tona. Dona Gê tinha duas décadas deitada na mesma cama e aquela menina vinha quase toda tarde. Quase. Binho não queria deixar “Essa menina vai acabar com o que resta da senhora, mãe”. Mas como se pode acabar com alguém já tão perto do fim? A parafina já ta quase toda no pires e o pavio cada vez mais curto. A vela de dona Gê já vai apagar. De início, ela nem queria saber da menina. “A gente precisa mesmo conviver com outros mesmo velho e doente? De menina eu já to cansada”. Mas Bia era danada. Não arredava o pé daquela porta por nada. Só saia quando tava escuro. Era legal trocar os suspiros pelos selos de dona Gê. E os suspiros vinham recheados de histórias, lendas, tudo o que ela quisesse imaginar. E que dona Gê pudesse contar. Como esquecer do Cavaleiro Cacheado? E da poesia de Inês na sacada? Aquela menina, dona Gê, sabia lembrar das coisas. As lágrimas desciam toda vez que ela dizia: FIM. Descobriu alguém para lhe ouvir, para lhe ver. Pra alguém assim, tão perto do seu próprio fim, ela derramou poucas lágrimas. Mas por que tinha outros suspiros a dar e receber.
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Versão adaptada para dois atores
NARRADOR 1 - Tudo começou e terminou com um suspiro. Sabem aquela ali do lado? E aquele ali? Bom, não há mais nada a fazer depois que tudo aquilo tinha vindo á tona. Dona Gê tinha duas décadas deitada na mesma cama e aquela menina vinha quase toda tarde. Quase. Binho não queria deixar.
NARRADOR 2 - “Essa menina vai acabar com o que resta da senhora, mãe”.
NARRADOR 1 - Mas como se pode acabar com alguém já tão perto do fim?
NARRADOR 2 - A parafina já ta quase toda no pires e o pavio cada vez mais curto. A vela de dona Gê já vai apagar.
NARRADOR 1 - De início, ela nem queria saber da menina.
NARRADOR 2 - “A gente precisa mesmo conviver com outros mesmo velho e doente? De menina eu já to cansada”.
NARRADOR 1 - Mas Bia era danada. Não arredava o pé daquela porta por nada. Só saia quando tava escuro. Era legal trocar os suspiros pelos selos de dona Gê. E os suspiros vinham recheados de histórias, lendas, tudo o que ela quisesse imaginar. E que dona Gê pudesse contar.
NARRADOR 2 - Como esquecer do Cavaleiro Cacheado? E da poesia de Inês na sacada?
NARRADOR 1 - Aquela menina, dona Gê, sabia lembrar das coisas.
NARRADOR 2 - As lágrimas desciam toda vez que ela dizia: FIM. Descobriu alguém para lhe ouvir, para lhe ver. Pra alguém assim, tão perto do seu próprio fim, ela derramou poucas lágrimas. Mas por que tinha outros suspiros a dar e receber.
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