quinta-feira, 30 de julho de 2009

Três gêneros, três textos

Para exemplificar os tópicos da série de postagens sobre os gêneros dramatúrgicos, que apresentamos aqui nas últimas três semanas, veja a seguir três textos criados nos encontros do Grupo de Estudos de Dramaturgia (GED), nos quais cada autor enfocou as características de um determinado gênero.

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ÉPICO
Sem título, por Cleyton Cabral em 06/05/09


(ATOR ENTRA, FALA COM A PLATÉIA, LUZ GERAL)

ATOR
Boa noite a todos. Desculpe-me o atraso de cinco minutos pro espetáculo começar. É que tivemos um problema técnico na luz. (APONTA PARA OS REFLETORES) Bom, vocês podem estar se perguntando o porque de eu estar todo molhado... Não, eu não tomei um banho de chuva. Se estou com frio? Muitíssimo. Por favor desliguem seus celulares. Se realmente estiverem esperando uma ligação de urgência, deixem no modo silencioso. Vibrou, você sai pelo corredor sem fazer muito barulho, eu não vou me incomodar.


(CAMINHA PELO PALCO E PÁRA EM DETERMINADO PONTO. LUZ SOBRE ELE)

ATOR
Elas tinham as mesmas idades, o mesmo tom de voz, eram roucas e fumavam demais. Cigarro. Elas eram siamesas. Até aí, tudo igual, né? Mas uma coisa que mudava todo o contexto da vida delas: eram totalmente diferentes no temperamento. Uma ficava triste, a outra gozava o prazer de mais um cigarro de capuccino. Uma chorava, a outra gargalhava vendo novela mexicana. Irma e Irna. Quatro letras. Apenas uma letra para ser diferente. (USA DE EXPRESSÃO CORPORAL PARA INTERPRETAR AS DUAS, VIRANDO O CORPO PARA O LADO DIREITO OU PARA O ESQUERDO.) Mais um? (REPRESENTANDO ACENDER UM CIGARRO SEM CIGARRO E SEM ISQUEIRO. VIRA O LADO DO CORPO PARA REPRESENTAR A OUTRA IRMÃ) Mais um. (REPRESENTA ACENDER O CIGARRO. VOLTA-SE PARA A PLATÉIA) Era assim todos os dias. As duas fumavam mais de duzentos cigarros. (IMITA AS SIAMESAS NUM MOVIMENTO COM OS BRAÇOS, LEVANDO AS MÃOS ATÉ A BOCA) A casa era branca até elas decidirem entrar no vício. O teto amarelou de fumaça. A sala de jantar da casa parecia mais um cinzeiro gigante. (TOSSE COMO SE O PALCO ESTIVESSE TOMADO POR FUMAÇA)


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LÍRICO
Sem título, por Márcio Andrade, em 06/05/09

PERSONAGEM
Era inveja. Não queria mais ouvir aquilo. É. É isso. O que eu podia contar pra ela? Ela já tinha ido embora há vinte anos. Não existia mais. (SILÊNCIO) Aquelas deviam ser minhas histórias! Mas quem ia querer me ouvir? Quem ia querer saber porque eu manco? Porque deixei Lurdes na igreja? Quem quer? (SILÊNCIO) Talvez seja o silêncio. Eu me aprisionei no meu silêncio e deixo ele chegar antes de mim. Ele fala mais do que eu. Em silêncio, posso ser o que quiser. Ser perfeito. Ser bom. Quem desconfia do silencioso? Quem olha pra ele? Ela não fala mais agora, mas todo mundo olha pra ela. A cidade toda. Pra alguém que não sai de casa faz tempo, ela era até querida. Acho que quando morre alguém todos querem aproveitar o que não tiveram. E enxergam a pessoa como aquele bloco de carne, cheio de vidas, histórias. No meu caso... alguém vai querer aproveitar alguma coisa? Talvez inventem coisas ao meu respeito. Que eu matei soldados e esfolei novilhos. Essa é a vantagem do silêncio. E quem
quer saber a verdade? Verdade não se conta.

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DRAMÁTICO
Sem título, por Fabiana Coelho, em 06/05/09

(CORINA, CRIANÇA DE SETE ANOS, COLA SELOS SENTADA JUNTO A UMA MESA. NO SOFÁ, AS IRMÃS SIAMESAS LÊEM)

CORINA - Tia Bel, olha este selo, que lindo!
ISABEL - Lindo, Corina... Muito lindo!
CORINA - É da Hungria!
ISABEL - Hungria? É na Europa, não é?
CORINA - Não sei. É fora do Brasil. Acho que é no Rio de Janeiro.
ISABEL - Não ,meu amor. O Rio de Janeiro é no Brasil. (PARA A IRMÃ) Eliza, onde é a Hurngria?
ELIZA - Isabel! Quantas vezes eu vou ter que dizer pra não interromper quando eu estiver lendo? Que droga!
ISABELE - De que te serve esta merda de leitura se você não pode tirar uma dúvida de tua sobrinha?
ELIZA - Não vê que é o livro quem me tira desta prisão? Queria eu poder sair pra vida... Que dirá a Hungria!
ISABEL - Corina não tem culpa das nossas tristezas!
CORINA - Mas eu não consigo passar por cima delas!

(CORINA SE AFASTA, OLHOS BAIXOS)

ISABEL - (BAIXINHO) Viu o que você fez? Está contente?
ELISA - Contente? Que palavra é essa? Esse termo não existe em meu dicionário.
ISABEL - Corina é nossa maior alegria! Olhar para ela é como olhar para Amparo...
ELISA - Cala essa boca, Isabel! Não fale de Amparo!
ISABEL - E por que não?
ELISA - Por que eu não aguento. Porque minha alma se enche de lembranças. Porque meu coração se enche de alegria. E quando eu abro os olhos está tudo vazio... está tudo oco! Inclusive eu...

(SILÊNCIO. AS IRMÃS SE OLHAM. ELISA CHORA. ISABEL FAZ UM AFAGO EM SEUS CABELOS. DO OUTRO LADO, NA MESA, CORINA ESPIA E APROXIMA-SE. DÁ UM BEIJO EM CADA UMA DAS IRMÃS E VOLTA PARA SEUS SELOS)

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